Como funciona um carburador? – Parte I

By on 26 Dezembro, 2018

Mesmo os pouco versados nestas coisas da mecânica sabem que os carburadores, (ultimamente quase substituídos inteiramente pela injeção eletrónica, mais por força da legislação anti-emissões que por vontade dos fabricantes, diga-se de passagem) servem para fornecer gasolina ao motor, para este andar. Na verdade, atomizam-na com ar, dando uma mistura que pode ser mais rica (conter mais gasolina) ou mais pobre (mais ar). Porém, poucos entendem como funciona este complexo conjunto de delicadas peças que por vezes leva as culpas por qualquer falha no funcionamento da moto.

O modesto carburador ainda vai estar connosco muito tempo, presente em quase todas as motos anteriores a 2006, exceção feita a modelos topo de gama da BMW, Ducati, Bimota e umas poucas outras que já tinham adotado injeção eletrónica há vários anos. O que trouxe a universalização da injeção eletrónica, mais do que considerações comerciais ou necessidade técnica, foi a introdução da norma Euro 4. Esta não impõe injeção como tal, mas estabelece normas de emissões de tal modo exigentes que é simplesmente impossível fazer uma moto equipada com carburador passar nos exigentes testes para aprovação, que adicionalmente estabelecem também um teste de durabilidade, ou seja, o motor tem de ser capaz de estar dentro das normas ainda aos 20.000Km!

Carburador Keihin, típico de muitas aplicações

Mas deixemos de lado a injeção, para uma crónica posterior, e voltemos ao carburador. Primeiro, temos de entender que o carburador, enquanto forma de dispensar gasolina e ar na mistura correta ao motor, durou mais de um século porque era o que tínhamos…

Supostamente, os irmãos Davidson, criadores das Harley-Davidson, usaram uma lata de tomate para criar um dos primeiros, e gradualmente, ao longo dos anos, eles foram-se tornado mais sofisticados, e capazes de dispensar a mistura correta de combustível /ar a todas as faixas de utilização… primeiro, pelos gigleurs, quando só diminutas quantidades de combustível têm de ser fornecidas para manter o motor ao ralenti, depois através de uma agulha de diâmetro variável e finalmente, utilizando todo o diâmetro da admissão, por ambos.

Assim, podemos dizer que a função do carburador é formar uma mistura inflamável de combustível e ar e dispensar essa mistura ao motor em quantidades variáveis conforme a necessidade. A mistura de gasolina/ar é feita por atomização, ou seja, através da aspersão de finas partículas de gasolina no fluxo de ar que é sugado para o motor através da admissão. A gasolina é primeiro depositada na cuba, um pequeno reservatório situado na parte inferior do corpo do carburador, que se enche de gasolina através de um sistema de bóia muito semelhante ao duma descarga de água.

A gasolina aí contida é “chupada” pelo vácuo e começa por sair de um orifício muito fino, o “gigleur”, que por isso controla o fluxo de combustível e, portanto em última análise, o consumo da moto. Ao encontra uma corrente de ar que se move a alta velocidade, “chupada” pelo movimento descendente do pistão (e não raro hoje em dia ajudada pela pressão criada pelos sistemas de Ram Air) a gasolina divide-se em gotículas microscópicas, ou seja, atomiza-se.

Carburador de vácuo em corte

A mistura correta tem de ter uma proporção correta de ar/gasolina para tudo funcionar como deve ser. A isto chama-se o teor da mistura, ou a relação gasolina/ar. Esta tem de permanecer dentro dos limites que possibilitem a sua inflamação pela faísca. Normalmente, estes limites são cerca de 7:1 +ara uma mistura rica (com muita gasolina) e de 20:1 para uma mistura pobre, querendo dizer que 20 quilos de ar se misturam com apenas um quilo de gasolina. No entanto, para se obter combustão ideal entre estes limites, é preciso um número mais perto do chamado número estequiométrico, de cerca de 15 Kg de ar para cada quilo de gasolina.

Gigleurs principal (esq.) e piloto

A razão estequiométrica pode ser definida como aquela que produz uma combustão o mais completa possível sem deixar resíduos e resultando apenas na formação de água e dióxido de carbono. Água, pergunta o leitor? Sim, para cada litro de gasolina usada, um motor a explosão produz outro tanto de água… por isso é que os sistemas de escape enferrujam e é fácil observar, no escape de qualquer carro, gotículas de água a pingar permanentemente para o chão. A razão dessa mistura também depende, obviamente, do tipo de combustível utilizado. Se este mudar, a proporção de gasolina para ar terá de mudar também. Selecionar a proporção correta é portanto muito importante para o desempenho do motor e também para a produção de emissões de gases poluentes.

A válvula do acelerador, que no carburador é um “slide” ou guilhotina, é o principal fator de afinação do modo como o combustível atinge o motor. Por outras palavras a potência do motor é controlada variando a quantidade de mistura admitida no cilindro. Para efeitos de ensaio, os motores são operados normalmente em aceleração máxima e em aceleração parcial. Em aceleração máxima, podem-se simular as condições encontradas por um veículo a subir um declive, em carga com o acelerador ao máximo. Nessa condição a medida da cavalagem máxima é obtida travando o motor a velocidades vária e anotando as cifras de potência e consumo desses pontos. Já o teste em aceleração parcial simula as condições mais normais que se encontram quando um veículo se move numa estrada plana a velocidades variáveis.

No banco de ensaio, esta condição é simulada operando o motor a partir da aceleração máxima e depois fechando gradualmente o acelerador. Mais uma vez, os números obtidos aos diversos regimes são anotados. Assim, a determinados regimes um componente do carburador lida com a emissão de mistura, entregando-a a outro à medida que a rotação sobe. A quantidade total de mistura dispensada é a soma dos vários “gigleurs” combinados. A determinada rotação, há sempre um a fazer o papel principal sendo gradualmente substituído, ou secundado, por outro. Em teoria, é sempre possível obter carburação perfeita através de uma combinação de afinações dos vários gigleurs ou agulhas de admissão.

Ao ralenti, o parafuso da mistura e o piloto do ralenti dão gasolina suficiente para manter o motor a trabalhar. Na fase seguinte, em aceleração moderada, a gasolina que sai do orifício do piloto do ralenti vai sendo gradualmente substituída pela do “gigleur” da agulha, pelo que seleccionar o diâmetro correto de gigleurs é muito importante. O corte do slide também afeta a admissão até meio acelerador. Na fase de alta velocidade, a mistura do ralenti é totalmente substituída pela do gigleur principal, e os fatores críticos aqui passam a ser o diâmetro do atomizador e o perfil da agulha. Em aceleração máxima, o slide está completamente recolhido, pelo que deixa de ter influência e o gigleur de máxima entra em ação. Os carburadores de agulha com cubas concêntricas só podem ser montados a um máximo de 40º da horizontal para operar corretamente. Para motores de cross ou trial, em que as máquinas passam grande parte do tempo inclinadas, este ângulo não deve exceder os 30º.

(continua)

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