Kawasaki KZ1000R Eddie Lawson Replica
A necessidade, costuma dizer-se, é a mãe da invenção. Tudo isso explica o aparecimento de uma certa moto verde lima na última parte de 1981, que se parecia muito com a moto que Eddie Lawson pilotara para vencer o campeonato Superbike AMA daquele ano.
Hoje, podia-se pensar que o modelo era o fruto de um plano municiosamente pensado e elaborado em detalhe pelo departamento de marketing para aproveitar sinergias ou dar bom uso ao orçamento da competição. Em 1981, nem por isso.
O facto é que a Kawasaki America tinha um excesso de modelos KZ1000J por vender e a dada altura, os funcionários das vendas foram convocados para uma reunião para discutir a situação, pois as vendas do modelo J não eram espetaculares. Embora a KZ1000J fosse uma boa motocicleta, na verdade era apenas uma Z1 reforçada, e estava desatualizada em termos tecnológicos, logo os concessionários não as encomendavam.
Era o começo dos anos 80 e as coisas estavam a mudar. Novas tecnologias estavam a caminho e todos sabiam disso. Além disso, a situação do dólar contra o iene japonês não era brilhante; os preços das importadas subiram e os revendedores estavam cheios de “bruxas”, modelos por vender ainda de 1979 e 80, vítimas colaterais da infame guerra de vendas Honda-Yamaha daquele período.
Eram tempo instáveis. Os entusiastas sabiam que estávamos prestes a dar o salto dos tradicionais quatro em linha refrigerados a ar em quadros de aço tubular para máquinas verdadeiramente inovadoras. Aqueles que gostavam dos velhos tetras refrigerados a ar, alojados em quadros de tubo de aço, já as tinham, e os jovens contentavam-se em esperar a chegada dos novos modelos.
Tudo isto contribuiu para enfraquecer as vendas da nova KZ1000J ’81. Por outro lado, Eddie Lawson tinha acabado de vencer o campeonato Superbike de 1981 numa. Alguém se lembrou disso e preguntou de sopetão, por que não construir uma réplica Lawson para gerar renovado interesse na linha KZ? Esse tipo de coisa já tinha sido feita com sucesso na indústria de motos de neve e com certos modelos de carro.
Era pintar a nova moto de verde lima, como a de corrida, equipá-la com algumas peças especiais e ver o que dava. Construir uma moto assim não seria complicado, e a ideia ganhou força imediatamente dentro da Kawasaki Motors nos EUA e muito rapidamente, no Japão.
Os engenheiros da Kawasaki tinham duas motos para estudar ao montar o que se tornaria a KZ1000R (ou a ELR, de Eddie Lawson Replica, como é hoje conhecida): o mencionado modelo J e a então nova GPz1100. Eles também tinham a própria máquina que Rob Muzzy construira para Lawson, que foi embalada e enviada para o Japão imediatamente após a corrida final da temporada de 1981. A partir dessa, construíram o protótipo de produção da KZ1000R-S1 de edição limitada, das quais apenas 30 foram montadas.
Pouco da moto de Lawson chegou à réplica de produção, mas o visual era credível na recriação da corredora numa moto de produção. A temporada Americana de Superbike de 1981 era algo que vale a pena comemorar, com Lawson a conquistar o título AMA por apenas 10 pontos – com um total de 125 – sobre um novo piloto chamado Freddie Spencer numa Honda baseada na CB900F Bol D’Or e o famoso Wes Cooley de cabelinho à pajem numa Suzuki GS1000.
Eddie venceu metade das oito corridas da AMA Superbike naquele ano, Freddie venceu três e, embora tivesse vencido apenas uma vez, o consistente Cooley só não tinha subido ao pódio na etapa de Pocono em Agosto.
A construção da KZ1000R seguiu o caminho traçado pela Kawasaki. Do modelo J, vieram os motores quatro em linha de 998cc, DOHC, de duas válvulas, refrigerados a ar, com ignição eletrónica e uma cambota aparentemente à prova de quebras.
Na verdade, era um canhão de motor, e o ponto de partida perfeito para muitas especiais já criadas por apaixonados pelos motores tetracilíndricos Kawasaki verdadeiramente à prova de bala. A estrutura do quadro de tubo de aço convencional também era especificada na J, com geometria de direção um pouco mais conservadora e avanço adicional para o suposto trabalho a alta velocidade a que a moto seria sujeitada.
As partes mais memoráveis da ELR – o tanque longo retangular, a cauda e a pequena carenagem desportiva do cockpit – vieram da GPz1100, assim como os instrumentos, travões, rodas e pneus Dunlop K300s. Também foi adicionado um banco recortado, pedais e controles mais chegados atrás, um radiador de óleo, um escape Kerker 4-em-1 preto (que, por exigências legais, precisava de ser instalado pelo revendedor depois da moto sair da caixa) e um guiador estilo superbike projetado pelo próprio Lawson.
O resultado foi um conjunto impressionante, visual e tecnicamente, com forte desempenho, quase GPz, fiabilidade garantida e mais do que um bocadinho de carisma a remeter para a famosa Z-1 original.
Mas venderia? Ou ajudaria pelo menos a vender KZs normais? O modelo parecia ótimo e despertou interesse da imprensa, revendedores e entusiastas, mas não vendeu muito bem. Apenas 750 ou pouco mais foram construídas naquele primeiro ano e, devido aos baixos números de produção, o preço foi deixado ao critério dos revendedores; muitos colocaram os preços muito altos e, quando perceberam e baixaram os preços caíram, no final do ano, o mercado já tinha mudado.
A nova Honda, com o motor de 750 V-4 chamada Sabre nos EUA, estreou-se em 1982, com a sofisticação de refrigeração líquida, e a lendária Interceptor de 83 já tinha sido anunciada. De repente, refrigeração líquida, quadros perímetrais, rodas dianteiras de 16 polegadas e suspensão traseira mono-amortecedor estavam no topo da lista do que todos queriam.
A Suzuki redefiniu o formato da superbike convencional, com a controversa GS1000S Katana projetada por Hans Muth. O desenvolvimento, até então em ritmo lento durante uma década de repente avançou a todo vapor. Em breve, as ELRs restantes enfrentariam não apenas a Interceptor da Honda, mas também a Ninja GPz900R (em 1984), a Yamaha FZ750 de 20 válvulas (em 1985) e a espantosa Suzuki GSX-R (também em 85). Quando a ELR ajustou os preços à procura, não havia como voltar ao motor refrigerado a ar, amortecedores duplos e quadros tubulares antiquados, pelo menos não em motos de alto desempenho.
Desde então, foram os colecionadores a interessar-se pela ELR, em vsta da sua relativa raridade, fazendo-as atingir preços ridículos agora, tornando simplesmente inacreditável pensar que alguma dessas motos estiveram em exposição em stands sem vender, nalguns casos um ano ou mais.
As pessoas olhavam, achavam muito giro, mas todos queriam o último grito. Ainda por cima, não só a ELR foi um fracasso, mas também não fez muito pelas vendas do modelo J normal.
Entretanto, Lawson conquistou o título de Superbike mais uma vez em 1982, vencendo cinco das 11 corridas e batendo o gigantesco Team Honda, e o seu companheiro de equipa Wayne Rainey montou uma das S1 para ficar em terceiro na disputa pelo título. Mas com as ELRs a ganhar pó nos showrooms sem criar agitação, esses sucessos em pista foram tudo que se fez em termos de promoção pela KZ1000J.
No início de 1982, a Kawasaki entregou a Lawson uma KZ1000R, Nº de quadro 001, nova no caixote. Essa moto iria tornar-se cobiçada pelos colecionadores e passaria a ser objeto de alguma controvérsia e intriga. Mas Lawson não a aceitou e pediu o quadro 021 para combinar com o seu número de corrida. Ele ainda hoje a tem, como se vê na foto desta história. Na altura, um investidor japonês ofereceu a Lawson uma quantia massiva pela ELR # 021, mas ele recusou. “Não acredito que disse que não”, diz ele. “O tipo ofereceu-me um milhão de dólares! O que eu gostaria de ter era uma das S1s de corrida… Eram muito parecidas com as minhas, mas mais bem acabadas. Todas as minhas motos de corrida foram trituradas”, um facto que Rob Muzzy confirma, pois foi ele que as destruiu a pedido da Kawasaki.
Muzzy, a propósito, também possui uma ELR de 82. “É o Nº 300 ou algo assim”, diz ele. “Eu monto-a de vez em quando e é divertida – uma excelente e antiquada superbike. Podem imaginar a comercializar uma moto de rua como essa hoje, com peças especiais, escape de rendimento e acessórios de competição? Não era possivel! Os advogados teriam um xilique! ” Em 1983, a Kawasaki continuou a manter a ELR na gama, agora apelidada de Superbike Replica já que Lawson tinha ido para a equipa de GP da Yamaha.
A antiga ELR recebeu várias alterações, que incluíam cames, válvulas e culassa com especificação GPz, amortecedores ajustáveis, novos instrumentos, um braço oscilante um pouco mais longo e gráficos revistos com um emblema de depósito diferente. Apesar de produzir mais potência, a KZ1000R de 1983 parecia ainda mais perdida do que a máquina de ’82; As superbike de corrida tinham passado para 750 e a Kawasaki fez campanha com uma GPz750 verde-limão. Levaria anos até que a mística da ELR se começasse a desenvolver …
A mania da ELR chegou por volta de 89, com exportadores japoneses a pôr anúncios na Cycle News a oferecer bom dinheiro por ELRs de entre 82 e 83. Um colecionador local pagou US $ 1.500 por duas ELRs na altura e vendeu-as pouco depois por quase US $ 6.000 cada. E como Eddie e Freddie eram como deuses no Japão, as ELRs tornaram realmente desejáveis.
Hoje, uma ELR, seja uma real como a de Lawson ou mesmo um dos muitos clones fabricados com KZ1000Js e GPzs, é uma peça de época. Uma motocicleta japonesa universal bonita, de aceleração lenta, e não tão rápida assim, com uma pintura especial. Mas para os entusiastas que viram esses dinossauros a correr, a visão de uma ELR original e verde vivo é um regresso aos seus anos da juventude.. e tudo porque um modelo KZ1000J de origem perfeitamente agradável simplesmente não vendeu.
Obrigado, necessidade; ficamos a dever-te uma!
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